Ensino remoto para a educação básica, autorizado em estados norte-americanos, porém, ainda não é permitido no Brasil
A Avenues, escola de Nova York que tem sede em São Paulo, lançará no Brasil, em agosto, um programa de ensino 100% online para alunos desde o 4º ano do fundamental até o 3º do médio. Sem relação com o ensino híbrido, que mistura aulas presenciais e remotas, imposto pela Covid-19, a Avenues On-Line foi criada para funcionar mesmo quando a pandemia acabar.
O custo mensal será de cerca de R$ 10 mil, enquanto o do ensino presencial passa de R$ 12.700.
A ideia é que estudantes de qualquer parte do Brasil possam se matricular na Avenues On-Line, que terá grande parte do currículo em comum com os 500 alunos de 35 países já integrantes do curso remoto, como África do Sul, Espanha, França, México, Quênia e Uruguai, além dos EUA.
Aulas de matemática e ciências, por exemplo, poderão ter turmas internacionais, enquanto disciplinas como estudos brasileiros e língua portuguesa entram no currículo do Brasil. O corpo docente será exclusivo da escola online. Encontros presenciais devem acontecer duas vezes por semestre em diferentes países, mas serão opcionais. Além da unidade em Nova York, fundada em 2012, e a de São Paulo, de 2018, a Avenues possui sede em Shenzhen, na China, inaugurada em 2019. São 3.700 alunos ao todo, do ensino infantil ao médio, dos quais 1.200 estudam em São Paulo.
Escola de Elite:
Imagens: Avenues/Divulgação
A experiência remota começou no campus de Nova York em 2015, em princípio para alunos que se mudavam provisoriamente de cidade ou de país. Com o tempo, foi se desenvolvendo o projeto de um curso 100% online, que se acelerou na pandemia.
O ensino remoto para a educação básica, autorizado em estados norte-americanos, ainda não é permitido no Brasil. A Avenues lançará a escola online amparada pela autorização concedida no país a aulas remotas como exceção para o contexto da pandemia. Segundo Jeff Lippman, responsável pelo programa, a Avenues está em contato com o Conselho Nacional de Educação (CNE) a fim de regularizar a escola online, de modo que possa prosseguir com o ensino 100% remoto no pós-pandemia. A iniciativa abre caminho para que outras escolas invistam nesse novo mercado.
uma quebra de paradigma quando se discute a ineficácia de aulas remotas na educação básica, especialmente para crianças menores, além dos prejuízos socioemocionais do fechamento das escolas.
Lippman entende que a ideia, a princípio, possa causar estranhamento “porque a experiência na pandemia tem sido traumática para a maior parte dos alunos”. “Não ignoramos as questões da saúde mental, inclusive dados alarmantes deste período, como o aumento de suicídio de jovens.”
Segundo ele, a Avenues On-Line não pode ser comparada à experiência da educação dos tempos de confinamento da Covid-19. “Costumo dizer que esse ensino híbrido é o pior dos dois mundos. É muito tempo na tela, é chato, tem pouca interação”, diz. “A Avenues On-Line não é uma adaptação da escola tradicional para uma situação de confinamento; ela é concebida para funcionar remotamente, com os alunos engajados tanto nos projetos da escola online quanto em outros contextos presenciais, como no clube, no futebol, em uma aula de balé etc.”, disse.
Em Nova York, por exemplo, onde 100% dos alunos já estão autorizados a frequentar as escolas presencialmente desde setembro do ano passado, alguns optaram por se transferir para o ensino online. “Muitos alunos se envolveram em projetos próprios, criaram ONGs, e não querem mais um formato presencial pouco flexível”, diz Lippman.
A Avenues On-Line deverá ter cerca de duas horas de aulas ao vivo por dia, com o desafio de equacionar diferentes fusos horários, e o restante da carga horária terá atividades sob demanda, além de reuniões agendadas com professores, grupos de alunos e orientadores. “E esses momentos ao vivo não podem ser expositivos, com aulas-palestras. Eles têm de ser aproveitados para debates e engajamento.”
Aulas à distância durante a pandemia expõem desigualdades na educação:
Lippman afirma que “a escola online não funciona para qualquer aluno” e que as famílias interessadas terão de passar por um processo de admissão. “Tivemos, por exemplo, nos Estados Unidos, o caso de um atleta de jogos online que queria fazer a escola online. Dissemos que não era indicada para ele, que já tinha pouca convivência presencial”, conta. “Eu confesso que tinha dúvidas sobre o ensino 100% online, mas a pandemia nos mostrou que, para alguns alunos, pode funcionar. Esse aluno, além de se engajar nos projetos online, terá de ter uma boa socialização presencial.”
Para os alunos menores, a família terá de se mostrar mais disposta ao engajamento, segundo Lippman. “Vamos assinar uma espécie de contrato com os pais. A parceria com a família tem que ser muito grande. A escola online não é babá eletrônica.”
Segundo Lisa Peixoto, diretora de admissões da Avenues, há diferentes perfis interessados no ensino online —desde famílias que moram em outros locais, como uma dos Lençóis Maranhenses, até as de São Paulo que preferem que o aluno não vá presencialmente à escola, seja por medo da pandemia ou por praticidade. “Também trabalhamos com a possibilidade de transição entre os modelos, como fazer um semestre online, outro presencial em São Paulo e outro até em Nova York”, diz.
A Avenues ressalta que a iniciativa nada tem a ver com o ensino domiciliar, em que os pais dão aulas para os filhos em casa, modalidade liberada em alguns estados norte-americanos, cuja aprovação no Brasil é defendida pelo governo Bolsonaro e que está em discussão na Câmara dos Deputados.
“No ensino domiciliar, os pais não querem que as crianças tenham contato com o mundo e acham melhor isolá-las em casa. Já nós queremos abrir as janelas do mundo para elas, onde quer que estejam”, diz Lippman.
Consultada pela Folha, Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Conselho Nacional de Educação, afirma que o conselho não foi consultado formalmente pela Avenues e que, por ora, está em debate a regulamentação do ensino híbrido no país, que deve ficar pronta em agosto. Para a liberação do ensino 100% online, segundo ela, seria preciso alterar a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Por Laura Mattos – Folha